Parece que o chatgpt caiu

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Hoje a inteligência artificial conhecida como chatgpt não está funcionando e vou escrever aqui como se a existência dela houvese sido apenas um sonho. Em 2021, por volta de setembro ou outubro, eu dormi e achei que havia acordado em um mundo onde o texto escrito — o texto simples como esse que aparece aqui agora — que ele não era mais um produto completamente original — que agora vinha de complicados cálculos estatísticos onde uma palavra vinha atrás da outra por proximidade matemática, ao invés de inspiração, treino e tentativa e erro da parte daquele que escreve.

Acordando de fato hoje, sem o auxílio do chatgpt para ler, revisar, analisar e resumir — sem ele criando simplificações e esboços, o que sobra da escrita como ela costumava ser? Desde 2021 eu abracei o chatgpt e a IA, além de bard e outras iniciativas menos conhecidas como o projeto open source de LLM que permite rodar no seu computador (embora seja extremamente pesado), tudo para entender como essa tecnologia impactaria na minha vida e naquilo que eu tinha de mais caro para mim, que era a produção textual. Talvez eu tenha me empolgado demais, ou sido precavido de menos, mas eu sempre soube que mais cedo ou mais tarde essa muleta ia ser "abandonada" (não dá para dizer com certeza absoluta que ela vá em algum momento ser abandonada de vez).

Eu sempre vi no texto aquilo que os monásticos chamavam de veritas — a perspectiva filosófica sobre a verdade que diz que a verdade é sempre literal. O texto é sempre aquilo que está escrito — o preto no branco — e o texto puro é ele mesmo a representação mais simples de expressar a verdade que possuímos. Como funciona com os analfabetos? Eles encontram vias — sempre únicas e originais — de encontrar essa expressão, que eu gostaria muito de aprofundar em algum momento, mas não agora. Agora eu quero perguntar apenas: foi coincidência que a revolução do chatgpt começou (e que agora abrange escrever códigos de programação, fazer desenhos no DALLE e pesquisar na internet) pelo texto puro, baseado em perguntas e respostas?

Em 2021 a OPENAI já era conhecida em círculos mais informados de tecnologia — embora não impressionasse muito (talvez por sua interface, que embora limpa, ainda era exclusiva para desenvolvedores escolherem os pesos e medidas que queriam dar à resposta). A openai, então, queria romper a bolha e tornar a inteligencia artificial conhecida e aplicável por todos, e essa é a melhor explicação para aquilo que ela iria fazer em seguida que era soltar o chatgpt,de graça, amigável e disponível no mundo todo.

Foi como desenhar uma droga que só fizesse efeitos em alfabetizados, e dar de graça para qualquer um que fizesse um cadastro na openai; as coisas que a máquina fazia em segundos em resposta ao pedido do usuário eram impressionantes — e tomou todas as pessoas de assalto, especialmente quem acreditava que o trabalho de escritório nunca iria ser automatizado. Mas ela só trabalhava então com texto puro, isto é o texto que não possui formatação, que você obtém ao escrever no bloco de notas. E por isso mesmo foi um experimento tão interessante — porque as pessoas voltaram a ler e imaginar, e aprofundar seu senso de interpretação e criar novas coisas com aquilo. Falo de usos criativos do chatgpt — não de quem usou para fazer um trabalho preguiçoso onde se evitou pesquisar a vericidade de suas afirmações — e pelo qual se paga muito caro, pois a IA afirma absurdos com convicção de quem é ela própria O Verbo. Hoje parece que já faz muito tempo que isso aconteceu, tamanha a mudança que gerou na forma como usamos a web — a IA nasceu de comer a internet e agora está regurgitando tudo de novo. Postagens nas redes sociais, postagens nos blogs, postagens no youtube e no instagram, estão todas sendo feitas da mesma forma, pasteurizando o conteudo em prol de uma produção maior e que sacie os algoritmos.

Ela se torna, entre outras coisas, um obstáculo sério à criatividade. Até porque ela nunca foi desenhada para isso — nada ainda é capaz de substituir a criatividade humana. Ela é basicamente um corretor de texto com anabolizantes a doses cavalares. Quem usa ela desde sempre sabe: dificilmente fica melhor que isso. Ela te ajuda a escrever mais rápido, a ordenar as coisas e verificar por outras, mas ela não pode ser muito criativa. E isso é importante pois a crise de leitura e escrita que passa a sociedade atual — especialmente no campo educacional, é sem precedentes. As pessoas precisam aprender que escrever ficou mais rápido, mas não mais fácil — e que é preciso aprender a escrever melhor que o chatgpt — e que esse é o novo chão com que se deve trabalhar — o mínimo, o básico.

Da minha parte, é um alívio acordar em um mundo onde o chatgpt está inoperante - ainda que a essa altura ele já tenha voltado. É um alívio porque escrever é uma atividade muito humana, cheia de nuance e extremamente tátil. Tenho escrito à mão em cadernos exclusivos para isso, e tenho treinado bastante com o teclado a como digitar mais rápido (o site monkeytype é excelente para isso), e em todos os casos escrever se torna uma fruição justamente por ser a expressão física do imaterial. Ainda dentro destes métodos poderíamos colocar outras perspectivas como a do escritor Chuck Palahniuk que diz que escrever em computador não é literatura, mas apenas digitação — e do outro lado o jornalista William Zinsser no seu "Como Escrever" em que ele louva a forma como os softwares editores de texto auxiliam o escritor. Têm também a simplicidade do markdown, criado por schwartz e o cara do daring fireball e que já não consigo viver sem; existe a escrita automática, e existe a escrita analisada várias vezes. Existe o blog e também o microblog (agora eu aderi o bluesky e to sofrendo para espremer ideias em 300 caracteres) e tudo isso passa à margem da discussão do chatgpt — embora ele tenha se alimentado exclusivamente de texto e escrita pura desde seu nascimento — e cujo desconhecimento alimenta a ignorância de achar que seremos substituídos por ele. Não seremos. O texto prevalece.


  1. Foto de Nick Morrison na Unsplash 

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